Eu permiti que Clarice Lispector entrasse na minha vida em 1990 ou 1991. Falo sobre permissão porque quando a gente se torna uma leitora, no fundo o que a gente faz é percorrer um caminho de auto-conhecimento. E acredito que gente atrai os livros que a gente precisa. Tive sorte de começar com um livro que considero ‘leve’ de CL: A Hora da Estrela. Uma peça curta que abocanha tanta densidade. Digo peça porque mais parece obra de compositor de música clássica. Não quero denominá-la de obra-prima de Clarice porque colocar um rótulo pode limitar. E uma coisa que a obra de Clarice não permite é a existência de limites. Lá, tudo transborda.

Iniciei esse texto porque resolvi reler CL e também o que foi escrito sobre CL. Recomecei pela biografia feita por uma amiga de Clarice, Olga Borelli, que a acompanhou durante boa parte de sua vida. Borelli foi tão presente que segurou a mão de Clarice no leito de morte. O título da biografia é Esboço para um Possível Retrato. Não é uma biografia que vai trazer datas e documentos. Trará flashes do cotidiano de Clarice entremeados de textos não publicados e cuidadosamente recolhidos por Borelli. Fiquei maravilhada com esse aqui:
Perspectivas
- Não pensar pessimisticamente no futuro.
- Só atravessar a ponte quando chegar a hora.
- Paulatinamente fazer o livro sem pressa.
- Apaixonar-se pelo livro.
- Aprofundar as frases, renová-las.
- O autor fala, em vez de ‘Deus’, outra escuridão.
- Só Ângela fala em Deus.
- Não deixar personne me dando des ordres.
- Ser tranquila consigo mesma.
- Não achar que uma situação é irremediável.
- Em todas as frases um clímax.
Cada um vive atordoadamente a própria vida. E se a esse alguém fosse perguntado em que ponto da vida estava, responderia numa sensação de tapa-na-cara e descaso e desaforo e impaciência: O quê? minha vida? E eu lá sei?”
Trecho extraído de Esboço para um Possível Retrato, página 33.
